16 de mai. de 2011

A pobreza e a cor da pobreza

Lembrando o 13 de maio!

Os negros têm a oferecer suas estratégias de resistência ao racismo, que, desde o período colonial, interpôs obstáculos à afirmação da humanidade

Em “Leite Derramado”, mais recente romance de Chico Buarque, há um personagem que, ao se referir com ironia ao radicalismo de seu avô abolicionista, afirma que ele “queria mandar todos os pretos brasileiros de volta para a África”.

Nessa visão, abolicionismo radical equivalia a se livrar dos negros. De todo modo, após 1888, as elites brasileiras irão se comportar como se os libertos, que as serviram por quase quatro séculos, não estivessem mais aqui. Mas estavam, e por sua própria conta.

No início do século 20, eram frequentes os prognósticos sobre o desaparecimento da população negra, que supostamente não sobreviveria ao século.

Ao mesmo tempo em que se criticavam as soluções de laboratório defendidas pelo ideário eugenista, em voga aqui e em muitos países, também se apostava no embranquecimento via miscigenação.

Mais tarde, ao se debruçar sobre os resultados do Censo de 1940, Guerreiro Ramos considerou “patológico” o desequilíbrio nas respostas ao quesito cor, tendentes, em sua esmagadora maioria, a sobrevalorizar a cor branca.

Na contramão dessa tendência, os dados censitários de 2010, há pouco divulgados, confirmam o que já se delineava no Censo de 2001: iniciativas de valorização da identidade, com origem nos movimentos negros e hoje em processo de institucionalização, asseguraram a maioria negra em uma população que ultrapassa 190 milhões de brasileiros.

Nesse longo percurso de afirmação, as mudanças não se limitaram a uma percepção de si mais positiva, exclusiva dos afro-brasileiros.

A consciência negra avançou em conexão íntima com a consciência social como um todo. Não se trata, portanto, da mera substituição de um segmento populacional dominante por outro, mas do reconhecimento de que os valores do pluralismo ajudam em muito a consolidar nosso processo democrático.

Contudo, ainda persistem dificuldades a serem enfrentadas.

Hoje, temos uma sólida base de dados, que mostra reiteradamente que mulheres e homens negros estão entre os brasileiros mais vulneráveis, numa proporção muito maior do que sua presença relativa na população total.

Por isso, a priorização da erradicação da pobreza extrema pelo governo da presidenta Dilma abre possibilidades inéditas de abordar rica e diversificada experiência humana, que ainda precisa ser considerada em toda a sua amplitude.

O sucesso das iniciativas de combate à pobreza extrema requer a reversão de imagens negativas, a superação de práticas discriminatórias e o redimensionamento dos valores de cultura e civilização que, afinal, contra todas as expectativas, garantiram a continuidade dos descendentes de africanos no país.

Quando o assunto é superação da pobreza extrema, é justo supor que os negros tenham algo a dizer.

Segmentos empobrecidos de outros grupos raciais também o terão, é certo. Mas os negros têm a oferecer suas estratégias de resistência ao racismo, que, desde o período colonial, interpôs obstáculos ideológicos e culturais à afirmação plena de sua humanidade - a base das desigualdades de renda e de oportunidades que ainda vivenciam.

Assim, no atendimento a direitos básicos que articulam renda, acesso a serviços e inclusão produtiva, é preciso tornar visíveis e valorizar dimensões da pessoa e do universo afro-brasileiro que desempenham papel decisivo na conquista da autonomia.

Todos somos humanos, e a resistência aos processos desumanizadores do racismo é, de longe, a maior contribuição dos negros à cultura brasileira.

* LUIZA BAIRROS é ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.

2 comentários:

  1. Prezada Rita,

    Brilhante artigo da Ministra Luiza Bairros. Gostaria de fazer um questionamento acerca da sublime colocação da ministra quanto ao "ideario eugenista":

    A política de branqueamento no Brasil está presente desde o período da Monarquia. Veja o que diz Maria Luiza Tucci: "Entre 1869 e 1870, o Conde de Gobineau esteve no Brasil e manteve intensa amizade com o imperador D. Pedro II, discutindo com ele a abolição e a política de imigração. Curiosamente, previu para menos de duzentos anos o desaparecimento dos habitantes brasileiros, condenados pelo crescente processo de miscigenação".

    Com isso, o Estado brasileiro após a proclamação da República (1889), empreendeu uma política de branqueamento. Considerava que era necessário eliminar os "quistos étnicos" ( seriam inadequados ou indesejáveis aos interesses do governo os negros, indígenas, orientais, judeus, isto é, os "não-brancos"). Isso só iria começar a partir do momento em que chegaram os primeiros imigrantes ao Brasil, que vinheram obedecer aos aspectos econômicos imediatos dos latifundiários.

    Durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), intensificaram-se as políticas restritivas à imigração de estrangeiros, sobretudo, aos judeus. "O governo Vargas achava que os judeus não eram "adequados" para a miscigenição", observa Fábio Koifman (UFRRJ, Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 5, nº 58, julho/2010).

    As ideias eugenistas no país surgem a partir do momento em que se aprofundaram o debate , advindas de setores da elite, sobre o tipo de imigrante considerado desejável para preencher as lacunas do território nacional.

    A palavra eugenia deriva do "grego eu (bom) e genesis (geração). Pretensa ciência fundamentada nas ideias de Francis Galton, conhecido pela descoberta das impressões digitais. Galton defendia a necessidade de o Estado formular um plano com o objetivo de selecionar jovens aptos a procriarem os mais capazes. Propunha a escolha de uma boa raça (a mais pura) ou o bom nascimento, chegando ao extremo de defender a esterilização de doentes, criminosos, judeus e ciganos. A eugenia incentivou experiências desse tipo no Terceiro Reich, que se propôs a elaborar um plano de purificação racial, marca do holocausto judeu", ressalta Maria Luiza Tucci (O racismo na História do Brasil: mito e realidade. Ática: São Paulo, 1994, p.22, Col. História em movimento).

    Assim, as intervenções para o melhoramento das gerações futuras, ferem os princípios da Declaração do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, onde diz que a "liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique a outrem". Com isso, é perceptível no discurso dominante que negros, índios, orientais, judeus etc, eram considerados "raças inferiores". Por isso, foi posto em prática o branqueamento da nossa sociedade. Portanto, tais posturas e condutas foram muito mais que apenas discriminação ou preconceito racial, foram a violação dos direitos humanos.

    Abraços.

    Prof. Lima Júnior

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  2. Brilhante artigo da Ministra Luiza Bairros. Quanto ao ideario eugenista, gostaria de observar que:

    A política de branqueamento no Brasil está presente desde o período da Monarquia. Veja o que diz Maria Luiza Tucci: "Entre 1869 e 1870, o Conde de Gobineau esteve no Brasil e manteve intensa amizade com o imperador D. Pedro II, discutindo com ele a abolição e a política de imigração. Curiosamente, previu para menos de duzentos anos o desaparecimento dos habitantes brasileiros, condenados pelo crescente processo de miscigenação".

    Com isso, o Estado brasileiro após a proclamação da República (1889), empreendeu uma política de branqueamento. Considerava que era necessário eliminar os "quistos étnicos" ( seriam inadequados ou indesejáveis aos interesses do governo os negros, indígenas, orientais, judeus, isto é, os "não-brancos"). Isso só iria começar a partir do momento em que chegaram os primeiros imigrantes ao Brasil, que vinheram obedecer aos aspectos econômicos imediatos dos latifundiários.

    Durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), intensificaram-se as políticas restritivas à imigração de estrangeiros, sobretudo, aos judeus. "O governo Vargas achava que os judeus não eram "adequados" para a miscigenição", observa Fábio Koifman (UFRRJ, Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 5, nº 58, julho/2010).

    As ideias eugenistas no país surgem a partir do momento em que se aprofundaram o debate , advindas de setores da elite, sobre o tipo de imigrante considerado desejável para preencher as lacunas do território nacional.

    A palavra eugenia deriva do "grego eu (bom) e genesis (geração). Pretensa ciência fundamentada nas ideias de Francis Galton, conhecido pela descoberta das impressões digitais. Galton defendia a necessidade de o Estado formular um plano com o objetivo de selecionar jovens aptos a procriarem os mais capazes. Propunha a escolha de uma boa raça (a mais pura) ou o bom nascimento, chegando ao extremo de defender a esterilização de doentes, criminosos, judeus e ciganos. A eugenia incentivou experiências desse tipo no Terceiro Reich, que se propôs a elaborar um plano de purificação racial, marca do holocausto judeu", ressalta Maria Luiza Tucci (O racismo na História do Brasil: mito e realidade. Ática: São Paulo, 1994, p.22, Col. História em movimento).

    Assim, as intervenções para o melhoramento das gerações futuras, ferem os princípios da Declaração do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, onde diz que a "liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique a outrem". Com isso, é perceptível no discurso dominante que negros, índios, orientais, judeus etc, eram considerados "raças inferiores". Por isso, foi posto em prática o branqueamento da nossa sociedade. Portanto, tais posturas e condutas foram muito mais que apenas discriminação ou preconceito racial, foram a violação dos direitos humanos.

    Por José Lima Dias Júnior.

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