Fabiano Maisonnave
Especial para o UOLe Da Redação
Até o ano 525 da Era Cristã, o mundo ocidental não contava os anos como hoje. O marco do início dos tempos era a fundação de Roma, o ano da legendária fundação da cidade pelos irmãos Rômulo e Rêmulo, chamado ano zero A.U.C ("ab urbecondita").
A Era Cristã em que vivemos foi inventada por Dionysius Exiguus (em português, Dênis, o Exíguo), a pedido do papa João 1°, no ano de 525 d.C (correspondente ao ano 1278 A.U.C.).
O objetivo da reforma era acabar com a falta de sincronia entre as igrejas para o cálculo da Páscoa. O cálculo para a Páscoa mais conhecido até então havia sido criado pelo bispo da Alexandria, mas várias igrejas seguiam diferentes sistemas, numa confusão bíblica.
No meio dos cálculos para o novo calendário da Páscoa, Dionysius resolveu não seguir o modelo do bispo de Alexandria, cujo marco inicial era o imperador Diocleciano. "Não queria perpetuar o nome do Grande Perseguidor dos Cristãos, mas numerar os anos a partir da encarnação do Nosso Senhor Jesus Cristo", escreveu. Estava criada a Era Cristã.
Se Dionysius era um ardente religioso, a parte matemática deixou a desejar. Ao calcular o ano de nascimento de Cristo, ele errou nas contas, e Cristo "nasceu" quando provavelmente já contava seis anos ou sete anos (não se sabe o ano exato do nascimento). Tivesse ele sido mais preciso, a virada teria sido em 1994 ou em 1995.
Outro fato que tem causado confusão até hoje é que Dionysius não incluiu o ano zero. Na sua cronologia, o fim do ano 1 antes de Cristo marcou a chegada do ano 1 depois de Cristo. Por isso, matematicamente o século 21 começou só no ano 2001 e não no ano 2000.
Resumindo: se a Era Cristã tivesse sido contada mais corretamente, e considerando que a passagem dos séculos é a partir do ano 1 (1801, 1901.), a virada do milênio teria ocorrido em 95 ou em 96, só Deus sabe.
Praticamente todos os países seguem o esquema que Dionysius inventou para a Páscoa medieval. Mesmo em lugares não-católicos houve o ano 2000.
O Japão, por exemplo, adotou a cronologia ocidental em 1873, como parte da ocidentalização do país promovido pelo imperador Meiji; a China, em 1949, após a revolução comunista.
Nos aspectos religiosos e culturais, no entanto, apenas uma relativa minoria supostamente se importou com o ano 2000. As religões cristãs estão longe de agregar a maioria dos habitantes da Terra: somam 24% da população, dos quais 17,8% são católicos e os outros, protestantes.
Tomemos o Islã, por exemplo. Além de ser a maior religião do mundo, reunindo 19,6% do habitantes do planeta, é também a que mais cresce -na década de 80, somavam apenas 13,3%.
A cronologia muçulmana é bem diferente. A contagem começa com a fuga de Maomé de Meca a Medina (Hégira), em de 16 de julho de 622, que marca o início da Era Islâmica.
Muitos países islâmicos utilizam a cronologia muçulmana, especialmente os situados no golfo Pérsico, como a Arábia Saudita e Iêmen. Para eles, o mundo está no ano 1420. Outros países, como Egito, Síria e Jordânia, adotam ambos; Turquia, Paquistão e Nigéria só utilizam o cristão.
Não é só a cronologia, no entanto, que detetermina os anos.Muitas vezes, o calendário também difere, fazendo com que os anos de uma religião sejam mais curtos do que os outros.
O calendário que adotamos hoje é o gregoriano, implantado em 1582 pelo papa Gregório 8° em substituição ao calendário juliano. O calendário juliano, inventado durante o governo de César pelo astronômo Sosígenes, em 46 a.C., só foi plenamente adotado no século 8, portanto cerca de 800 anos após a sua invenção. Gregório pouco alterou o calendário juliano: nos dois, o ano tem 365 dias divididos em 12 meses, cada um com 30 ou 31 dias, com exceção de fevereiro, que tem normalmente 28 dias e, a cada 4 anos, 29 dias (ano bissexto).
A substituição do calendário juliano teve de ser feita por um erro aparentemente pequeno: Sósigenes superestimara a duração do ano astronômico (o tempo que a Terra leva para dar a volta completa no Sol) em 11 minutos e 14 segundos! Parece pouco, mas o tempo passa, e, à epóca de Gregório 8°, já havia uma defasagem de 14 dias a partir de 46 a.C.
O papa, no entanto, decidiu "recomeçar" o calendário a partir do Concílio de Nicéia, 325 d.C. Assim, Roma dormiu no dia 4 de outubro de 1582 para acordar no dia 15 de outubro - um sono de dez dias.
Existe apenas uma diferença entre os dois calendários, quase imperceptível. Para recuperar os 11 minutos e 14 segundos, o gregoriano prevê que só os anos divisíveis por 400 serão bissextos, Dessa forma, corrige-se o erro de Sósigenes.
O calendário gregoriano foi rapidamente adotado pelos países católicos, como Portugal, Espanha e alguns estados germânicos. Outras regiões só deixaram o calendário juliano em favor do gregoriano muitos anos depois. A Inglaterra e suas colônias só o adotaram 1752, quando foram suprimidos 11 dias. A França, ao contrário, abandonou-o em 1792, quando foi criada a República, experiência no entanto que durou pouco. O último país foi a Rússia: apenas em 1918, após a revolução comunista. Ainda assim, algumas repúblicas da ex-União Soviética continuam usando o calendário juliano.
No entanto há muitos outros tipos de calendário, com distintas cronologias.
O hindu, por exemplo, a terceira maior religião do mundo com 12,8%, tem o tempo dividido em yugas, cujo período diminui à medida que o tempo passa, numa metáfora do declínio da humanidade. Atualmente, a Era Hindu está no último yunga - o mais degenerado - iniciado em 3102 a.C. e que terminará daqui a 432 mil anos. Já o calendário hindu, criado em 1000 a.C e hoje usado apenas para calcular datas religiosas, é dividido em 12 meses, mas cuja soma fica em 354 dias. Para resolver a diferença, acrescenta-se um mês a cada 30 meses.
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