4 de dez. de 2010

BANDEIRANTES: Heróis ou vilões? A construção do mito

Túlio Vilela*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Durante muito tempo, os bandeirantes foram encarados como "heróis". Eles teriam sido os desbravadores que contribuíram para a construção de nosso país, expandindo nossas fronteiras.

Essa imagem heróica acabou dando lugar a outra, oposta: os bandeirantes teriam sido bandidos cruéis e sanguinários, que saqueavam aldeias indígenas, matando crianças, violentando mulheres e escravizando os índios.
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reprodução
Os bandeirantes, nos quadrinhos de "Piratas do Tietê", obra de Laerte


Em nossos livros didáticos o bandeirante foi retratado dessas duas formas: ora herói, ora vilão. Ambas as imagens exageram aspectos verdadeiros da vida dos bandeirantes e ignoram outros.

Figuras polêmicas

Os bandeirantes estão entre as figuras mais polêmicas da história do Brasil. A confusão se dá entre a história dos bandeirantes propriamente dita e a construção da memória em torno deles.

A imagem que bandeirantes que há os traz calçados com botas de montar, vestidos com calções de veludo e casacas de couro almofadado. É desse modo que eles aparecem em pinturas, ilustrações de livros e até em estátuas.

A pesquisa histórica revela uma realidade bastante diferente: a maioria dos bandeirantes andava descalça e com roupas muito simples. Na verdade, todas as imagens que vemos dos bandeirantes foram feitas muito tempo depois da época em que eles viveram.

Expedições que geralmente partiam de São Paulo e eram organizadas com o fim de capturar índios e encontrar ouro e pedras preciosas, as bandeiras existiram do século 16 ao 18, enquanto as pinturas mais antigas sobre o tema foram feitas a partir do século 19, sob a ótica idealizadora do Romantismo.

A construção do mito

Outro fator que contribuiu para o mito do herói bandeirante foi a própria transformação de São Paulo em uma metrópole, que ocorreu muito tempo depois da época dos bandeirantes. No período colonial, São Paulo não passava de um povoado isolado com pouco mais de mil habitantes.

O crescimento da economia cafeeira contribuiu para que São Paulo crescesse. A região ganhou a fama de "terra do trabalho", de lugar em progresso. As elites paulistas resolveram difundir uma história idealizada, segundo a qual, as raízes desse progresso já existiam na época dos bandeirantes. Os membros da aristocracia do café seriam os descendentes diretos dos "heróicos bandeirantes".

Os paulistas, especialmente os membros da elite, traziam "no sangue" a herança dos bandeirantes, homens valentes que não tinham medo de desafios, o que explicaria porque os paulistas eram trabalhadores dedicados e incansáveis.

Repare que esse regionalismo está carregado de preconceito em relação aos habitantes de outras partes do Brasil: São Paulo seria uma exceção, terra de riqueza e progresso num país de miséria e atraso; o paulista leva o trabalho a sério enquanto os brasileiros de outros lugares seriam "preguiçosos".


Mitos e fatos: O papel da literatura na mitificação da história


Reprodução
Os bandeirantes, segundo Belmonte


A ficção literária também contribuiu muito para a difusão do mito dos "heróis bandeirantes". Entre essas obras podemos destacar "A Bandeira de Fernão Dias", romance publicado pela primeira vez em 1928.

Seu autor, Paulo Setúbal, se especializou em romances históricos e costumava enfatizar que suas obras baseavam-se em documentação histórica, o que supostamente conferia veracidade aos seus relatos.

Outra importante contribuição foi a dada pelo escritor e desenhista Belmonte, pseudônimo de Benedito Bastos Barreto (1896-1947), que em 1940 lançou um livro escrito e ilustrado por ele: "No Tempo dos Bandeirantes". As ilustrações desse livro mostravam os bandeirantes vestidos de maneira elegante,com barba, chapelão de abas largas, botas e portando mosquetes.

Belmonte foi um artista importante, conhecido pelas suas brilhantes charges contra o nazismo que criou durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e pelas ilustrações que produziu para as primeiras edições da famosa série de livros infantis de Monteiro Lobato, "O Sitio do Pica-pau Amarelo".

No entanto, como historiador, seu trabalho pecava por apresentar a ficção como verdade histórica. Belmonte queria que os paulistas se orgulhassem do seu passado. Isso se explica pelo fato de que Belmonte era um regionalista fervoroso, que amava São Paulo e chegava a escrever cartas aos jornais criticando o estado de abandono dos monumentos históricos.

Ao contrário da ficção
Mesmo não sendo fiéis à realidade histórica, os bandeirantes desenhados por Belmonte serviram de modelo para livros didáticos durante décadas. Serviram de modelo até para o monumento a Borba Gato, obra do escultor Júlio Guerra. Esse monumento encontra-se na entrada de Santo Amaro, bairro da cidade de São Paulo, onde o escultor Júlio Guerra, autor da obra, nasceu.

Será que o verdadeiro Borba Gato, que viveu de 1628 a 1717, era mesmo merecedor de um monumento em sua homenagem? Durante vinte anos Borba Gato foi procurado pelo assassinato de dom Rodrigo Castelo Branco, então Administrador-Geral das Minas Gerais.


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Estátua de Borba Gato, na cidade de São Paulo


Uma das razões do crime teria sido a descoberta de ouro durante uma expedição. No entanto, quando foram descobertas as principais jazidas de ouro, a Coroa portuguesa perdoou Borba Gato em troca dos conhecimentos que o bandeirante tinha da região.

Outro bandeirante bastante homenageado pela memória oficial é Fernão Dias, cujo nome foi dado à estrada que liga São Paulo a Minas Gerais. Como vimos, Fernão Dias serviu de inspiração para um livro do romancista Paulo Setúbal. Outra obra inspirada na vida de Fernão Dias é o poema "O Caçador de Esmeraldas", de autoria do poeta Olavo Bilac.

O título do poema foi inspirado no fato de que Fernão Dias morreu acreditando que as pedras verdes sem valor que havia encontrado no sertão mineiro eram esmeraldas valiosas.

Na vida real, o "caçador de esmeraldas" foi responsável pela captura e venda de vários indígenas. Ele liderou um ataque à serra de Apucarana, localizada onde hoje é o estado do Paraná, que resultou na captura de cerca de cinco mil indígenas.

O negócio do sertão
A captura de indígenas para serem vendidos como escravos foi a base da economia paulista até o século 17. Naquela época, essa prática era tão lucrativa que era chamada de "negócio do sertão". Uma das razões para essa lucratividade foi o aumento da demanda por escravos indígenas para compensar a falta de escravos africanos no Rio de Janeiro e na Bahia durante o domínio holandês em Pernambuco.

Durante esse período os holandeses passaram a controlar o tráfico de escravos trazidos da África, o que dificultava a importação de escravos na América portuguesa. A solução encontrada pelos senhores de escravos no Rio de Janeiro e na Bahia foi comprar índios capturados pelos bandeirantes.

No entanto, a maioria dos indígenas capturados pelos bandeirantes foi vendida para fazendas de trigo paulistas. Segundo o historiador John Manuel Monteiro, autor do livro "Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo", essas fazendas conheceram o seu auge no período que vai de 1630 a 1680, quando algumas delas tinham mais de cem escravos índios.

Seja em busca de ouro e outras pedras preciosas, seja em busca de índios para aprisionar e vender, os bandeirantes enfrentavam uma série de perigos e desconfortos: ataques de onças; picadas de cobras, aranhas e insetos; doenças; sem falar na própria resistência oferecida pelos indígenas...

A língua tupi
Curiosamente, as expedições organizadas com o intuito de capturar índios também contavam com a participação de outros índios, que eram usados como guias e em outras tarefas, e de vários mestiços, filhos de homens brancos com mulheres indígenas. Na São Paulo daquela época a influência da cultura indígena era tão grande que o tupi era mais falado que o próprio português.

Outro fator que incentivou o aumento da captura de índios foi a própria pobreza em que vivia a maioria dos paulistas. A falta de perspectiva levou vários paulistas a acreditarem que a única forma de saírem da miséria era capturar índios para vender como escravos.

Essa razão não diminui em nada a violência que era praticada contra os indígenas, mas torna a situação mais compreensível e mostra o quanto a realidade daquela época era mais complexa do que se imagina.

*Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula" (Editora Contexto). TExtos publicados no uoleducacao,acesso em 04/12/2010.

3 comentários:

  1. Os Bandeirantes foram responsáveis pela expasão do território nacional, mas esse não era o foco deles, o que realmente interesava para eles era o lucro obtido através da escravização de indigenas,da busca por escravos fugidos e também pela busca de metais preciosos.
    Para mim, não passam de meros bandidos que contribuiram de forma involuntária para a nação.

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  2. Apesar de terem contribuído na marcha da colonização na América portuguesa (Brasil) e expansão do território nacional devemos abordar os bandeirantes, apesar de serem personagens decisivos no desbravamento do território, mas é preciso buscarmos elementos para questionar a imagem "heróica" e romanceada que se criou em torno do bandeirante. Eles viseram uso da violência para conquistar terras, aprisionar e vender índios, tudo isso com a complicidade da Coroa Portuguesa.

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  3. Não podemos negar que os bandeirantes, mesmo que de uma forma involuntária, contribuíram para a expansão de nosso país, se não fosse por eles, provavelmente hoje não seriamos o 5º maior país em extensão territorial.

    Gabriel Matt - 1002

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